quinta-feira, 10 de maio de 2007

Utopia ou miopia?

Ele não é o lendário Papai Noel. É Leonardo Boff - pseudônimo de Genésio Darci Boff, nascido em Concórdia - SC, no dia 14 de dezembro de 1938. Teólogo, escritor e professor universitário. Ex-frade da Igreja Católica. Foi grande opositor do papa João Paulo II, e hoje, é uma pedra brasileira no sapato do papa Bento XVI. Boff foi punido com o silêncio obsequioso pela Sagrada Congregação para Doutrina e Fé. Isso ocorreu após a publicação de seu livro: Igreja, Carisma e Poder, que analisa a estrutura hierárquica da Igreja, a partir da metodologia marxista. Leonardo Boff é um dos expoentes da Teologia da Libertação, que mescla a metologia marxista à teologia católica. É colunista (aos sábados) do jornal A Notícia, do grupo RBS. Em seu último artigo publicado no AN (05/05/2007), comentou sobre as perpectivas da vinda do Papa Bento XVI ao Brasil, e reivindicou inovações no modelo da Igreja Católica.


Leia:
Bento 16 e a utopia Brasil

Dentro de pouco estará no Brasil o papa Bento 16. Todos estão ansiosos pela mensagem que nos irá trazer. Sabemos que todo o ponto de vista é a vista de um ponto, mesmo por mais oficial que este seja. Ele permite a visão de certas realidades, mas também encobre outras, pela própria natureza do ponto de vista. Normalmente predomina no Vaticano o ponto de vista institucional. Neste ganham centralidade o poder sagrado, a disciplina e a ordem, necessárias a um organismo mundial como é a Igreja Católica romana. E junto vêm a obediência e a vontade de adesão cordial. Mas vigoram também o lado da comunidade cristã e a vida concreta dos fiéis. Aqui se crê no dinamismo intrínseco dos processos orgânicos nos quais surgem desafios que demandam respostas por parte da fé. Estas pressupõem liberdade e criatividade para que sejam adequadas e também contemporâneas. Trata-se, portanto, de um processo que vai além da lógica da disciplina e da ordem. Poderá Bento 16 assumir os dois pontos de vista e produzir um discurso de sabedoria? Isso não é impossível porque o extraordinário na Igreja Católica é que ela se entende edificada sobre duas pilastras, a de Pedro e a da Paulo. Pedro representa a instituição, o poder das chaves, a ordem, a disciplina numa palavra, a continuidade. Paulo significa a criatividade e a coragem para o novo – numa palavra, a ruptura. As bases petrina e paulina são igualmente importantes. Sabedoria é orquestrar estas duas energias de tal forma que o novo possa acontecer sem ameaçar a continuidade, ao contrário, enriquecendo-a. Há momentos em que deve prevalecer a continuidade, há outros em que deve vigorar a novidade. Qual destas perspectivas irá Bento 16 privilegiar em sua vinda ao Brasil? Na minha modesta avaliação, estamos urgentemente precisando da dimensão paulina, do carisma inovador para fazer frente aos graves problemas internos e externos que a Igreja Católica enfrenta. Internos, a emigração crescente de católicos para outras igrejas de caráter popular e carismático, derivada possivelmente da própria estrutura centralizada da Igreja. Temos 125 milhões de católicos que demandariam pelo menos 100 mil padres e existem apenas 18 mil, muitos deles estrangeiros. Cria-se necessariamente um vácuo que é preenchido por outras igrejas. Externos, é a profunda desigualdade que estigmatiza nossa sociedade. Como a fé articulada com a justiça ajuda nas transformações necessárias? Oxalá o papa estimule esta linha de atuação. Se das muitas palavras que o papa nos disser, reforçar esta que nos vem de um mestre, marxista e ateu ético Oscar Niemeyer, o criador de Brasília, estaríamos mais que atendidos: “O fundamental é reconhecer que a vida é injusta e só de mãos dadas, como irmãos e irmãs, podemos vivê-la melhor”. Estas palavras resumem a mensagem de amor de Jesus. Fazemos nossas as palavras de outro mestre também marxista e ateu ético, Darcy Ribeiro, nosso maior antropólogo, por ocasião da vinda de João Paulo 2º ao Brasil: “Venha a nós, Pastor das Gentes, para juntos construirmos o singelo paraíso em que todos comam todo dia, morem decentemente, estudem o primário completo, sejam tratados nas dores maiores, tenham um emprego permanente, por humilde que seja, e não morram no desamparo na velhice. Ouça, Santo Padre, o clamor do povo que o aclama. Bendiga, esta católica cristandade neolatina de ultramar, vestida das carnes morenas de negros e de índios. É o povo de Deus que só pede a utopia: o singelo paraíso terrenal do Espírito Santo”.

postado por Zé Eduardo Calcinoni

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